12. Relampiano (1)

"A tristeza que balança"



O CD InCité de Lenine é composto de um misto de músicas inéditas (como Do It, Vivo, Ninguém faz idéia, Todos os Caminhos, etc.) e de músicas que haviam sido gravadas em álbuns anteriores (como Rosebud, Relampiano, etc).

Relampiano foi gravada anteriormente por Lenine, no CD "Na Pressão" - o mesmo áblbum que trouxe a famosa canção Paciência. Nesse álbum, a combinação da voz do cantor com o acordeon de Dominguinhos e outros músicos gerou um arranjo tão bonito que até mesmo o reconhecimento do próprio Lenine (ao dizer, ao final da canção, "música bonita essa, hein") acabou ficando registrado na faixa do CD.

Mas, isso, note-se, aconteceu no CD "Na Pressão". Na gravação do InCité, Lenine chamou "apenas" uma baixista e um percucionista de primeira. Foi com bae nesses novos instrumentos que foram elaborados os novos arranjos para as músicas anteriormente gravadas.

A música é realmente belíssima, como disse Lenine, mas a letra é talvez a mais triste de todas aquelas do disco InCité. Bela e triste? Sim. Em termos rítmicos, a música é um xote que, só de ouvir, nos incita a dançar. Mas, a letra fala de uma triste realidade social presente, infelizmente, em muitas famílias brasileiras.

Inezita Barroso disse, certa vez, que essa combinação, ou melhor, esta convivência corriqueira entre alegria e tristesza é um ponto que deixam os estrangeiros pasmados com a nossa música. Nessa mesma oportunidade, Inezita citou como exemplo a famosa marchinha de carnaval que começa falando assim:

Quanto riso, oh quanta alegria
Mais de mil palhaços no salão
Arlequim está chorando
Pelo amor da Colombina
No meio da multidão

Mas o carnaval não é a nossa única festa popular que traz essa combinação entre rítimos alegres e letras tristes. O Natal, curiosamente, lhe acompanha. Veja-se, por exemplo, a tradicional música natalina que diz assim:

Eu pensei que todo mundo
Fosse filho de Papai Noel
Bem assim, felicidade
Eu pensei que fosse uma
brincadeira de papel

O final da canção então apresenta como desfecho a não realização do pedido da criança que havia pedido ao Papai Noel, não um brinquedo, mas a felicidade.

Já faz tempo que pedi
Mas o meu Papai Noel não vem
Com certeza já morreu
Ou, então, felicidade
é brinquedo que não tem

Assim, essa convivência próxima entre alegria e felicidade parece ser uma das essências da música brasileiras e, ao que parece, se assim não fosse não seria brasileira, pois se, por um lado, temos uma alegria que parece muito mais espontânea e extrovertida do que a de outros povos, por outro lado, ela sempre temperada com uma pontinha de tristeza. Diga-se de passagem, algo que me parece bastante sóbrio dado o contexto social em que vivemos. E é, portanto, dentro desta tradição que a música Relampiano, de Lenine, se insere.

Em determinado momento da minha vida, não me lembro exatemente porquê, tive a ilusão que a alegria seria algo possível de ser experimentada em todos os dias da vida. Porém, foi a leitura da Bíblia que ensinou-me justamente o contrário.


Certamente suave é a luz, e agradável é aos olhos ver o sol.
Porém, se o homem viver muitos anos, e em todos eles se alegrar,
também se deve lembrar dos dias das trevas,
porque hão de ser muitos.
Tudo quanto sucede é vaidade.
[Eclesiastes 11:7-8]

Sendo assim, parece-me que a convivência entre alegria e tristeza, na MPB, tem lá seu aspecto pedagógico para a vida a ser experimentada neste mundo sejamos, nós, cristãos ou não.